Não é normal que, quando muitos de nós têm de trabalhar para acabar os estudos, que quando as bolsas se atrasam meses, quando as propinas ultrapassam os mil euros, nos culpem pelo insucesso escolar. Não é normal que enquanto meia universidade se desagrega e outra meia se privatiza nos imponham as prescrições. Tão pouco é normal que uma aluna da nossa universidade veja a sua vida congelada por um ano pois está prescrita por um crédito e meio. Nem é normal que, caso ela tivesse dinheiro, pudesse pagar isoladamente cada cadeira que lhe falta e passar o ano na mesma. Nem é normal que, para resolver esse assunto ela vá à secretaria da FCTUC no Pólo I e tenha de ir recambiada para o Pólo II, perdendo tempo de aulas e o dinheiro do bilhete de autocarro, porque a secretaria do Pólo I só abre às sextas. Nem é normal que, quando há uns meses, este novo horário foi criado, um aviso na secretaria dissesse que tal acontecia por “motivos de saúde”. Não é normal que as funcionárias estejam doentes quatro dias por semana todas as semanas nem é normal que mintam aos alunos para não dizer que não há dinheiro para pagar mais salários. Porém é absolutamente normal que tudo isto aconteça numa universidade dirigida por representantes do BPI, da ZON, da BIAL, da Sonaecom ou da Critical Software. Como é a Universidade de Coimbra.
Não é normal que quando um aluno bolseiro e residente volte de férias, ainda a meses de receber a bolsa que lhe garante o sustento, lhe peçam, sem aviso prévio, cinquenta euros para entrar na residência – na casa que a universidade lhe arrenda para lhe permitir estudar. Não é normal que uma faculdade como a de Letras, que tem mais de dois mil alunos, tenha apenas três funcionárias a atender os estudantes na secretaria – mas é normal que sendo assim percamos horas na fila, percamos cadeiras, percamos anos porque os serviços não funcionam. Também não é normal que numa residência no Pólo II, uma das mais recentes, haja infiltrações no rés-do-chão e não haja água quente nos últimos andares ou que as pedras da fachada caiam sobre a entrada da residência. Mas começa-se a achar normal que estudantes que não têm dinheiro para comer recorram aos serviços sociais e estes os encaminhem para o banco alimentar contra a fome, como aconteceu noutra residência da UC…
Dizem-nos que tudo isto é normal, pois estamos em crise e não há dinheiro para o ensino. Mas será normal que a crise a paguemos nós, que dela não temos culpa nenhuma? Nós que caminhamos para trabalhos precários ou para o desemprego? Será normal que não haja dinheiro para o ensino mas haja para salvar o BPN ou para comprar submarinos? Ou para pagar a empresas o lay off de trabalhadores que vão depois despedir? Trabalhadores que trabalham doze horas por dia para pôr os filhos na universidade, filhos cuja bolsa demora mais em chegar que os pais a serem despedidos, bolsa que só chega quando já é tarde de mais, quando o aluno já abandonou a universidade… Não será assim normal que o abandono escolar atinja níveis de 40%?
Não é normal que entre 2005 e 2008 a percentagem do PIB destinada à educação tenha descido 20%. Nem é normal que quando as universidades que passam a “fundação pública de direito privado”, como a do Porto ou a de Aveiro, vejam o estado reforçar em 30% o seu financiamento enquanto aquelas que permanecem públicas asfixiam sem dinheiro
Não é normal que perante isto nada se faça. Não seria normal que a academia que se levantou contra o Estado Novo, pela democracia universitária, contra as propinas se levantasse por mais financiamento para o Ensino Superior? Por mais e melhor Acção Social? Para que não sejamos nós a pagar pela crise? Não é normal que os representantes dos estudantes falem disto para os média mas não para os estudantes. Não é normal que estes representantes tentem aconselhar o governo a não privatizar o ensino, como se este o fizesse por engano ou acaso – “vá lá Sr.Ministro, não faça isso por favor”. Não é normal que os representantes dos estudantes, os dirigentes da AAC, promovam tudo tudo tudo, menos aquilo que ao longo da história defendeu os direitos dos estudantes: a mobilização estudantil. Não é normal que Mariano Gago, ministro do Ensino Superior, tenha passado quatro anos a destruir a universidade sem ter tido a mesma resposta dos estudantes que Maria de Lurdes Rodrigues teve dos professores.
Mas será normal que, caso não saíamos já para a rua, com força, inteligência, construindo a luta desde a base, ouvindo os estudantes, no fim do ano tudo esteja pior, pois a crise contínua aí, paga pelos do costume, e o governo Sócrates também – e isso sim não é normal!
Manuel Afonso
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